O Castelo Andante - O meu amor por Miyazaki
Eu amo todos os filmes de Miyazaki. Podia até fazer uma tese sobre o assunto (quiçá). E eu sei que todos conhecem A Viagem de Chihiro (ou Spirited Away). É um filme excelente, merece todo o reconhecimento que tem e muito mais. Contudo, acho que não podemos restringir os nossos olhos, por isso quero apresentar-vos O Castelo Andante (se não estiverem já familiarizados com ele).
O filme é baseado no livro de Diana Wynne Jones (com o mesmo nome) mas sai completamente das linhas de apoio, para além do básico. É uma história de demónios, bruxas, feiticeiros e feitiços.
Conhecemos Sophie, a filha mais velha de um falecido chapeleiro que toma conta da loja. Um dia, Sophie sai para ir ter com a irmã, Lettie, e quando está a ser assediada por dois oficiais um homem loiro e misterioso salva-a. Porém, acabam os dois por ser perseguidos por demónios (que mais parecem slime preta), conseguem fugir e Sophie chega a são e salvo. Já no local onde Lettie trabalha, conta a história de como voou pelos ares até lá chegar. A irmã, muito preocupada, diz-lhe que tem sorte de não ter sido o perigoso feiticeiro Howl, que rouba e come corações de jovens moças. Sophie tira logo essa opção da mesa, muito calma responde: "ele só faz isso a raparigas bonitas".
Mais tarde, já com loja de chapéus fechada, recebe uma visita de uma senhora que descobre ser a Bruxa do Nada. Com ciúmes por a ter visto com o homem misterioso, lança uma maldição a Sophie que a deixa como uma senhora idosa. Sem saber o que fazer, no dia seguinte finge estar doente quando a mãe a visita e foge para o Nada numa demanda para desfazer o feitiço.
Encontra um espantalho enfeitiçado que a ajuda a procurar um sítio para passar a noite. Ao voltar da busca traz consigo o famoso "castelo" (andante) do Howl. Apesar da hesitação, Sophie decide entrar porque o feiticeiro nunca iria comer o coração de uma velhota. Conhece Calcifer, o demónio do fogo e o pequeno aprendiz Markl. E, antes de ver o dono do castelo, decide contratar-se para fazer limpezas devido ao cenário imundo. A partir daí começa a viver com eles.
Depois do choque inicial, Sophie acaba por se acostumar à ideia de ser idosa. Abraça o seu novo ser. Na verdade, mesmo estando presa a uma maldição, percebemos que se sente livre. Desde o início do filme vamos observando que Sophie é reservada, trabalha duro. Talvez por sentir a responsabilidade de ser a mais velha e ter de tomar conta do negócio de família. Nunca foi muito confiante com a sua aparência, ao contrário de Lettie, e nunca agia como as outras raparigas da sua idade. Acho que podemos dizer que a Sophie tem uma alma velha, um espírito maduro.
Ao longo da história vamos observando simbolismos. É algo muito particular de Miyazaki e muitas vezes só conseguimos reparar depois de ver várias vezes. Sendo um filme infantil, tenta passar uma mensagem muito especial mas subtil. Através das personagens vemos medos, inseguranças, ganância e vaidade, misturados com magia. Quando finalmente conhecemos o tipo de pessoa que é Howl vemos que, na verdade, é uma pessoa vazia por dentro. É fútil: "Se não for bonito, não vale a pena viver"; e, apesar do filme não explorar tanto esta parte quanto o livro, compreendemos que a sua faceta de mulherengo preenche o vácuo que sente por dentro.
Sophie, ao entrar nas suas vidas (Howl, Markl e Calcifer), acaba por trazer uma nova aura ao castelo. O local que costumava ser desarrumado e sujo começa a ser um lar. Vão criando um sentimento de família entre eles, amizade e amor. Ela trouxe a bondade que faltava na vida deles.
Em troca, também ela se torna mais feliz. A sua alma velha rejuvenesce, fica mais despreocupada, o que é visível. Lentamente, durante a história, vamos observando alturas em que Sophie parece estar a voltar à sua idade real. Acontece principalmente quando dorme, por estar tão relaxada e calma, fica com a sua forma jovem. O mesmo se passa quando defende Howl. Não só é um trabalho de auto descoberta, de encontrarmos o nosso lugar no mundo e onde nos sentimos mais felizes, como também de entreajuda. Porque juntos somos mais fortes. As pessoas que amamos e que nos amam ajudam-nos a enfrentar os medos. É o que acontece a ambos, ajudam-se a salvar das suas maldições.
Ao fim de uma vida a fugir (de maneiras diferentes) da verdadeira felicidade e amor (romântico e platónico), ensinam um ao outro que "um coração é um fardo pesado". Ou seja, custa amar, enfrentar os medos, lutar, ser feliz e bondoso (ter coração). Tudo isto magoa mas recompensa. É cliché mas realmente não há arco-íris sem chuva. Aprendemos com eles que o amor é mais forte e que a beleza está na bondade de cada um: "Ter um coração muda tudo".
As personagens são a cereja no topo do bolo. Para além dos protagonistas, temos um conjunto de indivíduos que tanto nos podem fazer rir ou chorar. Acabamos por sentir sempre o mesmo amor que sentem uns pelos outros. Os antagonistas mostram-nos que o mundo não é a preto e branco. E a guerra que está tão presente ao longo do filme não passa de um mal-entendido.
Como qualquer filme do estúdio Ghibli tem a sensação de ser um sonho. Mostram-nos situações que só aconteceriam fora da realidade mas compactam com a familiaridade das personagens. São pessoas que existem na vida real, com os mesmos defeitos e qualidades (vou-vos deixar um vídeo abaixo para perceberem melhor).
Considero a animação do estúdio ainda mais especial e única do resto do género, acho que se percebe porquê. Faz-me lembrar a minha infância, a altura em que eles saíram, claro. Mas também porque, não importando a idade, eles vão sempre passar uma aura mágica e espetacular que nos deixa pasmados. É impossível não ficar boquiaberto com admiração. Temos muitos exemplos ao longo do filme de momentos em que não se passa nada e podemos simplesmente contemplar a beleza das paisagens da animação. As ruas, os trajes, tudo aquilo que foi baseado em algo real, no entanto, tem muito mais brilho e encanto nestas cenas. É como entrar no imaginário de uma criança.
Contudo, a animação não faz isto sozinha. Creio que muito se deve à música incrível que foi escolhida para o soundtrack. É simplesmente sensacional, faz-nos sentir como se estivéssemos dentro da cena, do cenário e fossemos nós também personagens. Leva-nos para outro tempo e outro local, embora nunca lá tivéssemos estado.
Apesar de hoje em dia já haver muita gente a assistir animação japonesa, (anime) acho que ainda é um género muito desvalorizado no mundo ocidental. Quem conheço que vê é porque já é fã há muito tempo mas não é preciso ver regularmente um género para o poder apreciar.
Acredito convictamente que tem (ainda, infelizmente) muito a ver com um preconceito do ocidente acerca de produções asiáticas (de todo o tipo, na verdade). Fiquei mais que feliz do Parasitas ter conseguido ganhar o Oscar e quebrado barreiras em Hollywood mas há um longo caminho pela frente. Se fazem parte da população que não vê porque "são estranhos" ou "não percebo a língua", acreditem que não é por isso que não vão gostar ou deixar de poder ver. O filme está dobrado em português mas, mesmo assim, aconselho-vos a ouvir o áudio original.
É um filme lindíssimo. Tem um fator intemporal que faz com que não importe quando ou com que idade se vê, vai-se sempre sentir que é especial. É essa a sensação com que se fica quando se vê um filme de Hayao Miyazaki. Se calhar contei-vos demasiado da história mas não me faria sentido estar a escrever sobre um filme que adoro tanto sem falar sobre o porquê. Todavia, acho que quem quiser assistir vai ficar maravilhado de qualquer maneira, como eu fico sempre.
A mensagem final é tão poderosa que nos deixa aconchegados por dentro. É difícil acabar O Castelo Andante e não sentir algum tipo de encorajamento para com a vida. Isto em qualquer filme do estúdio, na verdade. Nunca é tarde demais para os ver nem para os levar no coração.
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