O Feminismo em Legally Blonde






    Demorei demasiado tempo a ver este filme e tenho de admitir que não é um clássico por nada. Como qualquer pessoa que costuma ver bastantes filmes, claro que sabia que a Reese Witherspoon era uma atriz fantástica. Aqui fiquei apaixonada. Será demasiado dizer isto? Eu acho que não. E já que há notícias de um Legally Blonde 3 esta é a melhor altura para vos lembrar porque é que têm de ver o primeiro. 

    Legally Blonde é sobre Elle (Reese Witherspoon), uma rapariga considerada fútil, que mora numa irmandade, anda sempre com um cãozinho de bolso atrás e tem um namorado rico (Warner Huntington III - Matthew Davis - reparem na "chiqueza"). Quando ele a deixa para entrar em Harvard e voltar a andar com uma ex-namorada (que os pais aprovam), ela não desiste e vai atrás dele estudar Direito.


 

(Warner Huntington III e a "nova" namorada, Vivian)


    O filme desmonta brilhantemente o preconceito da rapariga rica, loira, que usa cor-de-rosa, como sendo inferior e menosprezada. O título goza com este mesmo estereótipo: Legalmente Loira. Transforma a imagem de uma rapariga loira "burra" numa rapariga loira advogada. 

    Estou tão (completamente) farta da utilização deste estereótipo de género em todo o tipo de filmes. São personagens mal vistas como mean girls (raparigas más, que fazem bullying) cuja existência nasce dos filmes produzidos para uma audiência maioritariamente masculina em que existe a dualidade: "rapariga santa" (boa rapariga) e "rapariga galdéria" (má rapariga). É a ideia que as mulheres devem ser bonitas mas não demasiado bonitas, inteligentes mas não demasiado inteligentes, sensuais mas não demasiado sensuais. 

    Vou tentar explicar isto de uma maneira mais simples: a partir destes padrões, uma mulher ou é uma "santa" ou uma "galdéria" (as suas personagens nos filmes, mais concretamente). Ou é a rapariga que desvia o homem principal, levando-o por maus caminhos, a vilã; ou a rapariga que o "salva" e "conserta". O que a perpetuação disto nos filmes diz é que a rapariga ideal tem de ser "respeitável" (a partir das normas sociais) e servir todas as necessidades do seu parceiro. Como vemos na imagem da rapariga pela qual o Warner deixou a Elle - Vivian (Selma Blair) - a boa rapariga é mais conservadora (relativamente a alguém como a Elle, claro), usa roupas não tão femininas e a sua inteligência é conhecida e admirada. Mas, ao mesmo tempo, nunca pode ser mais esperta do que o homem principal, apenas o suficiente para fazer parte de um tipo. 

    O estereótipo que significa a "rapariga galdéria" normalmente mostra o lado mais sensual, usa mais maquilhagem, roupas mais femininas. Não sei se me estão a seguir. Sendo a galdéria o negativo para o homem (a santa o positivo, porque é melhor para a vida dele blah blah blah), quer dizer também que o máximo de feminidade e símbolos tradicionalmente ligados ao género feminino nos são mostrados como sendo coisas más, inferiores, que devem ser julgadas. Este é o problema dos filmes masculinos em Hollywood mas ainda não me parecem estar prontos para esta conversa.


(a Elle a arranjar as unhas num salão com a Paulette - a brilhante Jennifer Coolidge, ou como lhe chamam "a mãe do Stifler")


    Este desabafo não vem do nada. Neste caso, a Elle é a típica caracterização de "galdéria" no início. Vemos a utilização do cor-de-rosa (marca feminina) em praticamente tudo o que ela tem desde cedo, por exemplo. Mas é aqui que o filme nos troca as voltas. Começa com a personagem principal a ir atrás de um homem que a trocou por uma "rapariga santa", mais aceitável. Contudo, acaba com ela a seguir os  seus sonhos, a ultrapassar assédio, a trabalhar duro e a ter sucesso. Por isso é que este filme é muito mais do que se poderia esperar de um chick flick (ou "filme de gaja", que em si já é um termo bastante misógino, mas falemos disso noutro dia). 

    Até podem dizer "ah, mas eles usam bastante o estereótipo". Sim, verdade, mas usam para desconstruir. Retiram a ideia que uma personagem é uni-dimensional, que só pode ser uma loira "burra". Quando Elle consegue entrar em Harvard todos os outros estudantes que a viam no campus e nas aulas a tratavam mal só por supostamente parecer menos inteligente. Vivian, a inimiga, goza com a rapariga pela sua aparência de "menos inteligente" mesmo tendo estudado Estudos de Género, demonstra que o seu feminismo é parcial e hipócrita. 

    No final (spoiler alert), a Elle acaba por mostrar a todos os que só a viam pelo seu estereótipo que estavam errados. Ela demonstra que a inteligência tem várias formas. É essa a beleza que encontro no feminismo deste filme. Só porque uma mulher é feminina não quer dizer que seja menos inteligente ou menos capaz de fazer qualquer coisa que um homem faça.




    Um tópico que eu queria realçar é, sem dúvida (e acho que não estamos surpreendidos), o guarda-roupa. O filme é do início da década de 2000 (2001) e só ver uma imagem da Elle com qualquer outfit conseguimos perceber que são absolutamente fabulosos. Oiçam, eu sou a primeira a julgar roupa dos anos 2000 por razões óbvias... Mas temos de admitir que também há estilos fantásticos que nos deixaram. Prova: Elle Woods.


(Não mintam a vocês mesmos, vocês gostam de cor-de-rosa)


    Este filme é mesmo muito especial. Confronta assuntos sérios como o assédio (não vou desenvolver mais para verem por vocês mesmos) para além de ser um ótimo filme de comédia que dá para ver a qualquer hora e com qualquer pessoa. E não posso não falar da famosa cena no salão em que a Elle ensina à Paulette como deve seduzir o senhor dos correios por quem tem uma paixoneta. 


(Lamento a qualidade da imagem mas este foi dos melhores vídeos que encontrei que exibia a parte completa)




    Legally Blonde tem dos fins mais satisfatórios que eu já vi em toda a minha vida. Estou a dar meio spoiler que tudo acaba bem mas vocês devem ter presumido pelo que já disse. A Elle é uma excelente personagem desde o início, leal a si mesma e aos outros. A sua força e determinação fazem com que consiga entrar em Harvard e, apesar de depois deixar de querer o Warner de volta, continua o seu caminho para se tornar uma boa advogada. O fim do filme é o pico da sua jornada e vou ter de admitir que às vezes assisto só mesmo para ver essa parte. Ah e adivinhem (spoiler alert), na parte final fizeram com que as duas personagens femininas do "triângulo amoroso" não fossem rivais e criaram uma amizade entre elas. Nunca estive tão orgulhosa. 

    Meninas e meninos, não sei o que estão à espera para ver. Desejo mesmo que o meu comentário vos tenha dado vontade porque nem vale a pena, vale a galinha inteira.



   

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