Porque é que precisamos de Sex Education (educação sexual)?
Muitas séries adolescentes já não tratam a sexualidade como um bicho de sete cabeças. Mas Sex Education leva as coisas a outro nível. Não censura nem ignora temas mais desconfortáveis e acho que é precisamente aquilo que estava a faltar.
É uma comédia adolescente que nos apresenta Otis Milburn (Asa Butterfield). Aos olhos de todos é um rapaz normal. No entanto, a sua mãe, Jean (Gillian Anderson), é uma terapeuta sexual. O protagonista, ao perceber que na escola pouco ou mal sabem sobre sexualidade, começa um negócio com uma colega que tem má fama, Maeve Wiley (Emma Mackey), em que dá conselhos sobre o tema em troca de dinheiro.
Os problemas com que os amigos lhe chegam são dos mais variados e inclusivos. Sem qualquer tipo de estudo no assunto mas com conhecimento que (de uma maneira ou de outra) vem do trabalho da mãe, Otis consegue acalmar e ajudar os colegas em situações menos confortáveis (e onde falta um aconselhamento adulto).
Durante os episódios nunca se inibem de falar de tópicos (normalmente considerados) mais desconfortáveis ou fortes. Falam da educação sexual do ponto de vista da saúde e do prazer. Não evitam falar das diversas sexualidades nem de aborto ou assédio. A amizade toma um papel muito importante ao longo de toda a história. O que me parece ser um lembrete para não nos esquecermos que podemos sempre contar com os nossos amigos quando nos sentimos mais perdidos.
Pode não parecer, para quem nunca viu, mas o conceito é muito relevante. Educação sexual é do que mais falta nas escolas. Sim, nas escolas, senhores do "ai jesus, ideologias". A sexualidade deixa de ser tabu na adolescência (para a maioria das pessoas). É uma altura muito confusa para toda a gente: alterações corporais, inícios de namoros sérios, hormonas (muitas hormonas). Aprender sobre a sexualidade - o sexo - é a maneira de descobrirmos mais sobre nós mesmos e sobre o mundo à nossa volta. É deixarmos de ter vergonha por pensarmos que somos diferentes e que estamos a passar por isto sozinhos. Todos os pais deviam ter "a conversa" e vou explicar porquê.
A educação sexual nas escolas em Portugal, do que me recordo, foi simplesmente a explicação do funcionamento do sistema reprodutor. E acreditem que para quem tem vagina não fazia sentido nenhum. Pelo menos falo por mim. Mostravam-nos um desenho do útero, dos ovários, da vagina etc., tudo muito bonito e cor-de-rosa. Lembro-me de não perceber nada quando me ensinaram sobre o ciclo menstrual, patavina. Para além disso, nunca nos falaram do importante. Tratavam sempre do sexo como se a sua única função fosse a reprodução. Não quero ser desmancha prazeres (trocadilho) mas não é só para isso. E, quer queiram quer não, dizer a um bando de adolescentes "não façam sexo porque engravidam e morrem" (referência a Mean Girls, obviamente) não é o suficiente.
Não acaba aí. Onde está a educação sobre o assédio? É importante ensinar que se a resposta não é um "sim" explícito então será "não". Os corpos dos outros não são nossa propriedade. Onde está o conforto para crianças suscetíveis saberem que todas as pessoas são diferentes, com vários tamanhos, formas, cores e sexualidades? Porque é que deixamos que aprendam o que não sabem de vídeos e imagens que encontram na Internet?
Claro que há coisas fora do alcance, principalmente hoje em dia. Mas nunca é tarde demais saber que cada corpo é único e especial. Acreditem que o timing é muito importante para problemas de auto-estima. Porque é que não falamos sobre como o amor existe de várias maneiras? E podemos, por favor, falar sobre como os corpos não devem ser sexualizados? Mandar uns piropos não é elogio nem deve ser aceitável. E nem rapazes nem raparigas devem sentir que o seu corpo tem de ser de determinada forma para serem aceites sexualmente.
Não importa oferecerem uns preservativos para levar e rezar que não sejam usados até à maioridade. É importante falar sobre tudo. Quero que todos os meninos e meninas saibam desde novos que os seus corpos são única e exclusivamente deles e nunca, jamais, alguém terá a satisfação de tirar esse direito. Toda a gente merece sentir-se confortável a falar sobre a sua sexualidade com parceiros, amigos, familiares, etc.
Estou tão feliz por terem conseguido abordar todos estes assuntos que enunciei. Muitas vezes mais implícito que explícito, Sex Education mostra-nos a faceta humana que muitas outras produções tentam esconder. Nem tudo é perfeito e não fingem que é. O próprio protagonista, apesar do seu papel, consegue ser muito frustrante e, sendo simpática, idiota. Contudo, acho que também é por isso que tanta gente gosta de ver. Vemos a realidade humana adolescente (e não só) no que toca a coisas que nunca antes experienciaram. Tudo misturado com choros, risos, angústias e fúrias.
É mesmo muito importante, e não consigo deixar de reforçar, que conversas sobre sexo ou sexualidade deixem de ser desconfortáveis. Adolescentes já não são crianças, acreditem ou não. E precisam muito de ajuda para navegar nesta nova parte da vida que é inevitável. Assistir esta série pode ajudar muitos a abrir horizontes e a explorar assuntos que nunca antes tinham pensado. Pode auxiliar (e muito) na auto-descoberta e é o que jovens adultos precisam, sempre precisaram. Pelo menos agora está a melhorar. Mas continua a ser essencial criar um ambiente seguro em que se possa falar abertamente sobre o tema.
Espero, com todo o coração, que vos tenha feito querer ver. Tanto o enredo como as personagens acabam por ficar com um bocadinho de nós e os seus problemas fazem-nos pensar em situações parecidas, onde nos sentimos mais perdidos e confusos. A segunda temporada foi ainda melhor que a primeira, se é que era possível. Mais séries e filmes, ou os media em geral, deviam apostar em conteúdo inclusivo e de aprendizagem de conhecimentos básicos. É muito importante normalizar certas conversas, precisamos dessa base para uma sociedade mais empática, igualitária e humana.
Gostei imenso, continua! Mal posso esperar para ler mais. Também adorei Sex Education tho
ResponderExcluir