Vamos Falar de Unpregnant

 



    O mais básico de um filme adolescente é conseguir comunicar com a audiência destinada. Unpregnant faz exatamente isso. Talvez não percebam pelo título, mas é uma produção feita (logo à partida) para discutir a interrupção voluntária da gravidez, o aborto. Não estava a contar falar sobre isto tão cedo. Porém, tendo em conta acontecimentos da última semana, achei que vinha mesmo a calhar. 

    Primeiro, deixem-me explicar a sua relevância. Unpregnant mostra-nos a história de uma adolescente, Veronica, que descobre (na casa-de-banho da escola) que está grávida. Não consegue contar às amigas ou à família (que é muito religiosa, a sua irmã foi mãe muito nova) e quando conta ao namorado este confessa que sabia que poderia acontecer. Na altura tinha reparado que o preservativo rompera, mas não a avisou. É razão para alarme? Sim, foge. Para além disso, depois de admitir o seu erro, ainda a pede em casamento. Ela fugiu? Sim, felizmente. 

    Ao fim de uma pesquisa intensa para saber onde abortar sem necessitar de permissão adulta, Veronica descobre que terá de atravessar estados para resolver a sua situação. Ou seja, esta rapariga de 17 anos precisa de fazer uma viagem de 1600 km só para poder voltar à sua vida normal, porque mais perto não pode só pela sua vontade. A única pessoa a quem consegue pedir ajuda é Bailey, a sua antiga melhor amiga. Apesar da relação entre ambas ter mudado, Bailey não hesita em dar-lhe auxílio. 






    A partir daqui, somos transportados para um típico filme de road trip americano. É perfeito para ver numa tarde com amigos. Os temas "amizade" e "aborto" fazem uma combinação estranhamente tocante. Depois de terem fugido com um carro "emprestado", dormido ao relento, ido a um festival e sido praticamente raptadas por uma família pro-life (contra o aborto), podemos imaginar que os planos de Veronica - de conseguir voltar a casa domingo à noite para que os pais não desconfiem de nada - não resultaram na perfeição. Para não falar da busca incansável que as suas amigas e colegas fazem entretanto para descobrir quem é a pessoa que deixou um teste de gravidez positivo num caixote do lixo da escola...

    O choque de personalidades das ex-amigas é, na verdade, encantador. Veronica é uma aluna aplicada, organizada e sociável. Já Bailey vive mais exilada dos colegas, desde que deixaram de falar. Mais tarde ou mais cedo, apercebem-se das saudades que tinham uma da outra e vemos o gelo quebrar. É preciso reparar no enorme impacto que uma amizade tem nas nossas vidas, ainda por cima num momento destes. Apoio incondicional é algo tão essencial. Sabemos que amizades têm os seus altos e baixos, por isso mesmo é fundamental relembrar o seu significado.





    O humor está muito presente e é muito característico da geração mais nova, típico deste novo estilo de filmes jovens (faz lembrar Booksmart, outro filme adolescente que deveriam assistir). Apesar da leveza que a comédia traz ao ambiente, os tópicos não deixam de ser pesados. Estamos a falar de uma adolescente com o futuro à sua frente, que, pelas suas razões que não precisam de justificação, decide abortar. A parte mais frustrante é que o namorado sabia que havia a possibilidade de a ter engravidado, mas não a avisou. Isto é uma forma de violação, demonstra uma toxicidade gravíssima. Ele sentiu-se intitulado a prendê-la, como se lhe pertencesse. A existência do aborto tem mesmo a ver com isto: a liberdade, principalmente a liberdade de escolha e de decisão sobre o próprio corpo. 

    Se já leram o meu post sobre Sex Education, sabem que sou forte adepta da normalização de certas conversas. Bem, esta não é exceção. Mesmo no século XXI, há quem se atreva a ter ideias machistas de esterilização feminina. E porquê? Tudo pelo exercício de um direito. O aborto é, como sempre foi, não só um direito como uma escolha, é a derradeira reclamação feminina do próprio corpo. Não temos de ser a favor do aborto para deixar que outras pessoas o façam. O corpo do outro não é da nossa conta, ponto final. Este filme quebra barreiras ao conseguir falar tão abertamente sobre este assunto, é algo inédito e extremamente necessário. E não venham com o: "mas, se legalizarmos o aborto, vão estar a utilizá-lo como método contracetivo". Car@, ninguém no seu perfeito juízo vai usar e abusar de um processo tão doloroso, física e psicologicamente.






    Apesar do cliché (presente em qualquer filme jovem comovente) e, por consequência, da sua previsibilidade, é muito encorajador. É um brilhante exemplo para a nova geração ter em mente que o seu corpo só pertence a si. Mostram uma forma cómica de falar sobre o tema, sem tabus. A cena mais emocionante foi a das etapas que levam ao acontecimento. Explicam todo o processo de maneira reconfortante, tanto para a personagem como para quem assiste. Como as implicações emocionais que pode ter no psicológico de quem aborta são enormes, é importante que a pessoa se sinta confortável e que receba todo o amor e apoio possíveis. No fim, vemos Veronica aliviada, com um sentimento de libertação.

    As atrizes, Hailey Lu Richardson (de Five Feet Apart) e Barbie Ferreira (de Euphoria), são o crème de la crème deste género nesta geração e estou confiante que nos próximos anos vão ter o conhecimento que merecem. As suas atuações foram maravilhosamente bem concretizadas, muito genuínas e reais. Várias adolescentes e jovens adultas vão identificar-se com as personagens. 

    Não consigo deixar de apontar, mais uma vez, a imprescindibilidade que este tópico tem na vida das pessoas. Faz-nos pensar sobre a politização destas questões e a forma como queremos dar voz à nossa opinião. Aqui, como em tudo, tentem ler e educar-se mais sobre assuntos que desconhecem, tentem criar uma opinião fundamentada e genuína, que venha de vocês e não de influências. Contudo, tentem também pensar naqueles que não têm os mesmos privilégios que vocês, tentem ser humanos no vosso voto e nos vossos ideais. Não se esqueçam que o aborto é um direito, seja em que circunstância for. Se acharem que estou a dizer barbaridades e/ou ainda se sentirem desconfortáveis a falar sobre o aborto: vão assistir esta produção magnífica e abram os olhos. 



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