I Care A Lot - O Anti-herói e o Papel da Mulher
Se gostam do filme de suspense de David Fincher Gone Girl (Em Parte Incerta), não vão conseguir deixar de ver o novo filme que Rosamund Pike protagoniza, acabado de estrear na Netflix: I Care A Lot (Tudo Pelo Vosso Bem).
I Care A Lot é um drama cómico de suspense que nos apresenta Marla. Esta protagonista de sangue frio é tutora de idosos. Por isso, quando estes vivem sozinhos e os filhos não querem saber deles, é a sua função certificar-se que eles sejam transferidos para um lar onde terão todas as melhores condições para viver. Será bem assim?
Acontece que Marla é golpista e tem todo um estratagema que inclui uma médica, o diretor executivo de um lar de alta qualidade e a herança de imensos idosos que acabam dentro do seu sistema de tutoria. É algo que faz de rotina com a sua parceira e namorada Fran.
Desta vez, e com a dica de uma médica geriátrica, descobrem uma "cherry". Ou seja, uma senhora idosa, rica e sem registo de qualquer familiar vivo. Para Marla isto só quer dizer uma coisa: jackpot. Quando a Drª. lhes permite ter confirmações que Jennifer Peterson (Dianne Wiest), a idosa, já não se pode sustentar sozinha devido à sua saúde, o caso é levado a tribunal - mesmo sem a presença da pessoa em questão - e o juiz aponta Marla como sua tutora, passando a ter total controlo sobre a vida de Jennifer.
Marla vai a casa de Jennifer explicar-lhe o sucedido com uma ordem do tribunal que a permite levá-la de sua casa para um lar imediatamente. Assim, fica automaticamente responsável por todas as posses de Jennifer. Esta fica mais do que confusa, mas não tem nada a fazer senão obedecer e concordar com tudo o que é feito. Fica no lar sem sequer poder manter o seu telemóvel na sua posse. Enquanto isso, a protagonista e Fran retiram as coisas de casa da Jennifer, vendem-nas, fazem mudanças drásticas e preparam-se para a vender. Por esta altura Marla já descobriu todos os segredos da fortuna e herança da senhora.
Acontece que, num dia específico do ano, Jennifer faz uma pequena visita à personagem representada por Peter Dinklage (sim, de Game of Thrones). É um homem intimidante e misterioso e que não se vai deixar enganar por Marla, muito menos no que conta à sua mãe. Não vão estar prontos para o resto do filme.
I Care A Lot é daqueles filmes que nos fazem refletir sobre como olhamos para vilões. A Marla é uma pessoa má, não há como negar. Porém, há qualquer coisa nela que faz com que queiramos que tenha sucesso. Por um lado, quase nos sentimos más pessoas por apoiar personagens que fazem atos diabólicos. Por outro, diria que utilizamos as suas experiências como uma forma de nos imaginarmos naquelas situações sem sofrer as consequências. E com isto não digo que quem aprecie este tipo de filmes seja um sociopata reprimido, mas este tipo de personagens são capazes de fazer nascer algo dentro de nós, nem que seja uma mera introspeção.
Marla pode trazer muitos mixed-feelings. Esperamos que aprende, mais tarde ou mais cedo, mas continuamos a seguir o que ela faz silenciosamente e na expectativa de perceber todo o esquema que vai por trás.
Não consigo deixar de realçar o papel que a Mulher tem neste filme. Vai muito além de Marla, da sua sexualidade ou da sua parceira. Para além da estória se centrar numa personagem do género feminino, toda a trama narrativa tem o seu motor na Mulher. Digo isto porque até as personagens masculinas regem as suas motivações por uma mulher, a Mãe.
Pode não parecer um grande obstáculo ultrapassado - e de facto não o é -, mas é com a quebra de estereótipos que se consegue mudar perceções e até mesmo ações. Marla é a protagonista e uma mulher lésbica. Contudo, e contra estereótipos habituais, não fizeram da sua sexualidade o centro da trama, já que ela não é apenas isso (mostra também que não o fizeram simplesmente para utilizar a sexualidade feminina para apelar à audiência masculina heterossexual). Ela é uma personagem multidimensional e complexa. E acaba por ser uma lufada de ar fresco ser uma mulher vilã, mas também nos mostrarem as suas inseguranças e ambições - não conseguimos simplesmente odia-la. Porque, por um lado, entendemo-la.
Se acham que o filme é mau porque representa uma mulher a arruinar vidas, pensem: gostaram do filme Joker (2019)? Se os crimes que ele cometeu não vos incomodaram, de certo não vão notar nestas ilegalidades.
Desmascaram completamente o funcionamento do sistema. Não só para pensarmos que o que ela fazia era horrível, mas também nos fazer abrir os olhos a estas situações e confrontar os responsáveis burocráticos.
É um filme divertido de assistir, com muitos plot twists e cenas de ficar na ponta da cadeira. Faz-nos torcer por uma vilã egoísta, mas complexada e ficamos chocados até ao último segundo.
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